Reforma Tributária e a NÃO Extinção do IPI
A Reforma Tributária, aprovada em 2023 por meio da Emenda Constitucional nº 132, e regulamentada em 2025 pela Lei Complementar nº 214, propôs uma reestruturação profunda do sistema de tributos sobre o consumo no Brasil. Entre as principais promessas estava a extinção de cinco tributos, incluindo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), substituídos por um modelo moderno de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), dividido entre CBS (federal) e IBS (estadual/municipal).
Entretanto, o IPI não será extinto como inicialmente prometido. Ele será mantido, com incidência seletiva sobre determinados produtos, como forma de preservar os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus (ZFM) e de outras Áreas de Livre Comércio da Amazônia.
Essa mudança de direção traz impactos práticos importantes para empresas de todo o país, especialmente aquelas que operam fora da região amazônica.
O papel estratégico da Zona Franca de Manaus
Criada pela Lei nº 3.173/1957 e regulamentada pelo Decreto-Lei nº 288/1967, a Zona Franca de Manaus (ZFM) é uma área de livre comércio e incentivos fiscais, voltada ao desenvolvimento econômico da Amazônia. Sua permanência está garantida na Constituição Federal, com benefícios assegurados até 5 de outubro de 2073, por meio do Art. 92-A do ADCT.
Historicamente, o IPI tem sido um dos principais instrumentos de incentivo à produção na região. As indústrias instaladas na ZFM contam com:
- Isenção de IPI na importação e na produção local;
- Suspensão ou isenção de PIS e Cofins em determinadas operações;
- Créditos presumidos para aquisições de produtos da ZFM por empresas localizadas em outras unidades da federação.
A manutenção do IPI, portanto, garante a competitividade da produção local frente à de outras regiões do país.
A decisão: Manter o IPI como instrumento de proteção regional
A partir de 2027, conforme previsto na LC nº 214/2025, as alíquotas do IPI serão zeradas para a maioria dos produtos industrializados. Contudo, essa regra não se aplicará aos produtos fabricados na ZFM e suas ALCs, quando houver produção relevante local.
Em outras palavras:
Se uma empresa fora da ZFM fabrica um produto que também é produzido em escala significativa na Zona Franca, esse produto continuará sujeito à cobrança de IPI, mesmo após a “extinção/redução” geral do imposto.
Essa manutenção parcial do IPI foi formalizada com base no Art. 92-B do ADCT, que exige que as novas leis tributárias (como as da CBS e do IBS) preservem o diferencial competitivo da ZFM.
Critério para incidência do IPI: produção relevante
O PLP 51/2024, em discussão no Congresso, traz critérios objetivos para definir quais produtos continuarão sujeitos ao IPI:
- A incidência do IPI se aplicará aos produtos cuja fabricação na ZFM represente ao menos dois terços da produção nacional no ano de referência (inicialmente, 2023).
- Essa lista de produtos será avaliada e publicada pelo Poder Executivo a cada cinco anos.
Com isso, a manutenção do IPI se tornará uma tributação baseada na origem e na competitividade regional, obrigando empresas a monitorar periodicamente a lista de produtos abrangidos.
Consequências práticas para empresas fora da ZFM
A decisão de manter o IPI traz uma série de efeitos práticos e desafios operacionais para empresas de outras regiões:
📌 1. Tributação assimétrica
Um mesmo produto poderá sofrer ou não a incidência do IPI, dependendo de onde foi produzido. Isso gera um ambiente tributário mais complexo e pode impactar a competitividade das empresas instaladas fora da Amazônia.
📌 2. Monitoramento contínuo da lista de produtos
Como a lista de produtos sujeitos ao IPI será dinâmica, os departamentos fiscais precisarão acompanhar publicações oficiais periodicamente, garantindo que as alíquotas aplicadas estejam corretas.
📌 3. Impactos na formação de preços e estratégias de mercado
Empresas que fabricam itens concorrentes aos produzidos na ZFM deverão considerar o IPI como um custo adicional. Isso pode levar a ajustes em políticas de precificação, margens e estratégias de mercado.
📌 4. Necessidade de adaptação dos sistemas fiscais
Os sistemas de gestão tributária e ERPs precisarão ser capazes de identificar se um item está sujeito à incidência do IPI com base na origem e no NCM, respeitando as regras atualizadas pelo governo.
Exemplo prático: o caso do lápis
Imagine que, em 2023, a Zona Franca de Manaus responda por 70% da produção nacional de lápis.
A partir de 2027:
- Se uma empresa em São Paulo fabricar lápis, ela continuará pagando IPI sobre esse item.
- Já uma empresa instalada na ZFM não pagará IPI, pois o imposto não incide sobre a produção local, que permanece incentivada.
Essa dinâmica cria uma vantagem competitiva clara para a indústria da região amazônica, enquanto impõe um custo adicional às demais.
Vale observar que os custos de frete para a região da ZFM são mais altos, então em termos gerais, a não cobrança do IPI pode não resultar em uma grande diferença no preço final do produto.
IPI e Imposto Seletivo: papéis distintos
Vale destacar que a criação do Imposto Seletivo (IS), previsto no Art. 153, inciso VIII da Constituição Federal, não substitui o IPI.
O IS terá foco em produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente — como bebidas alcoólicas, cigarros e outros itens listados no Anexo XVII da LC 214/2025 — e não será aplicado como ferramenta de incentivo regional. Portanto, não cumpre o papel de proteger a ZFM, razão pela qual o IPI continuará a existir.
Uma mesma empresa não poderá pagar IPI e IS ao mesmo tempo, mas se uma empresa fora da ZFM produz um produto que também é produzido na ZFM e está na lista de NCM considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, qual imposto será aplicado? Ainda não há resposta para essa pergunta, uma nova lei complementar deverá ser criada para definir essa regra.
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